18.7.15

Carta para Caetano Veloso


Querido Caetano Veloso,
Escrevo agora porque você teve um impacto profundo em minha vida, porque ouvi e abracei sua música - que toca minha alma da maneira mais profunda - por mais anos do que posso me lembrar, porque você foi um batalhador pela justiça nos tempos mais duros, porque sua música me inspira, me consola, me desafia e tem me ajudado em tempos de grande dor e perda.
Escrevo agora na esperança de que repensará sua decisão de se apresentar em Israel nesse momento e que ouvirá o chamado dos palestinos, acompanhado de milhares de outros em todo mundo, por dignidade e justiça.
Você escreveu que se apresentará em Israel e verá por si mesmo o que está acontecendo lá. Mas, como outros têm lhe pedido, também peço que primeiro se engaje nesse conhecimento e, então, uma vez que sinta que sabe o suficiente, tome uma decisão informada. Ao tocar em Israel agora, está, como você mesmo admitiu, tomando uma decisão sem ter a informação que precisa para saber se, por meio de suas ações, está apoiando e sancionando injustiça.
Você também disse que tocou nos EUA durante a era Bush - mas essa não é uma comparação justa. Embora naqueles anos estivessem em andamento as ações terríveis do governo Bush, não havia um chamado organizado vindo da sociedade civil, como há da sociedade civil palestina, nos pedindo para que aqueles de nós com uma consciência apoiemos o movimento BDS (Boycott, Divestment, and Sanctions - Boicote, Desinvestimento e Sanções, em tradução livre) até que Israel cumpra com princípios básicos de direitos humanos e lei internacional. A analogia com o boicote ao apartheid sul-africano é mais adequada.
Sou uma judia de 59 anos cuja jornada relacionada a Israel e à Palestina tem sido muito longa, repleta de muito exame de consciência. Tornei-me conectada a Israel para apoiar o que entendia ser o movimento de libertação do povo judeu - não reconhecendo na época que libertação nunca é libertação quando é às custas de outro povo, quando resulta no deslocamento, desalojamento e negação do direito a autodeterminação de outro povo. Sempre fui crítica do governo israelense e me opus a ocupação israelense de 1967. Entretanto, apesar de ampla evidência e documentação, nada sabia sobre a Nakba, a catástrofe de 1948 em que mais de 700.000 palestinos foram expulsos de suas casas e terras como resultado do estabelecimento de Israel. Embora o trabalho de minha vida esteja conectado à importância de contar histórias, não deixei entrar a história, a realidade da
Nakba até que, na verdade, não conseguisse mais dormir à noite.

E como você bem sabe, a injustiça não terminou em 1948. A violência contra o povo palestino e a destruição continuada de suas casas e roubo de suas terras só se intensificaram desde aquela época. Não quero recitar a lista de políticas antidemocráticas, de brutalidades diárias, de desigualdade estrutural e sistêmica que caracteriza o tratamento do povo palestino pelo governo israelense em Israel e nos territórios ocupados. Você pode ir a sites incontáveis e passar um tempo na Palestina para facilmente tomar conhecimento dos fatos. E, embora concorde com sua crítica de Benjamin Netanyahu, a verdade é que essas condições injustas floresceram livremente sob todo partido israelense no poder - desde o início de Israel.
Você escreveu que os israelenses que assistirão a sua apresentação concordarão com sua crítica da sociedade israelense. Não estou certa de quem são esses israelenses. Os israelenses que conheço que apoiam a justiça estão aderindo ao chamado do BDS e não estarão em sua apresentação, como resultado de posicionamento ético e baseado em princípios. O BDS é um chamado para que Israel seja responsabilizado a observar os valores mais fundamentais de decência e justiça.
A realidade é que sua apresentação em Israel só alimentará as forças antidemocráticas. Você não é simplesmente um cantor famoso mundialmente. É também um batalhador pela justiça famoso mundialmente. Sua presença em Israel só terá o efeito de promover políticas de longa data que, sem dúvida, você detesta.
Do fundo do meu coração, espero que decidirá não se apresentar em Israel nesse momento na história. Estou confiante de que não se arrependerá dessa decisão.
Atenciosamente,
Donna Nevel