26.5.07

Irã - um ponto de vista

por Michael Gordon

Sob a sombra dos atentados terroristas recentes, uma imagem vem a minha cabeça: um mulá na rua Ferdosi, centro de Teerã, me explicando como chegar ao cemitério judaico. Mas poderia ter me lembrado de outra cena. No mesmo cemitério, uma tumba de um jovem judeu que morreu na guerra contra o Iraque. Quem diria? Quem poderia imaginar que um judeu daria sua vida pelo regime do aiatolá? É assim que vivem os judeus iranianos. Têm seus cemitérios, suas sinagogas, seus clubes, trabalham no comércio, são médicos, professores etc. Há apenas uma exigência para que essa paz não seja destruída: devem ser contrários à existência do Estado de Israel. Evidentemente essa não é uma tarefa fácil. Os judeus do mundo todo rezam pedindo que no ano seguinte estejam em Jerusalém! Nem todos os judeus iranianos seguem à risca essa recomendação, eles dão um jeito, arrumam estratagemas para visitar Israel, mas se são pegos nessa empreitada, têm seus passaportes confiscados e não podem sair do país por vários anos.

O roteiro preferido para essa viagem é através da Turquia ou Chipre. No aeroporto israelense já é praxe carimbar o visto num papel separado e não no passaporte, justamente para casos como esses.

Há alguns anos, treze judeus foram presos, acusados de espionagem para o Estado de Israel. Em sua maioria, são professores de Teologia das cidades de Isfahan e Shiraz, no centro sudoeste do país. A prisão fica em Shiraz e atualmente onze permanecem presos e sem julgamento. Nem o próprio Khatami, o presidente legitimo, com quase 80% dos votos, pode fazer alguma coisa, já que, no poder judiciário, quem manda é o aiatolá Khamenei, sucessor de Khomeini desde 1989.

Na sede do Jewish Committee, em Teerã, encontrei algumas fotos do funeral do aiatolá que mudou a história do Irã, transformando-o na primeira república islâmica do mundo. Interessante foi observar um grupo de judeus em luto pela morte deste líder, que pregou a destruição de Israel. Segundo os próprios judeus que encontrei pelos corredores, ele foi um bom homem, inclusive para os judeus, mantendo uma espécie de proteção aos judeus e cristãos, como os dhimmi, os "protegidos" do Império Otomano, que, embora fossem designados por este termo no mundo islâmico, tinham que pagar impostos mais elevados e de vez em quando sofriam perseguições.

Claro que a maioria dos judeus saiu do Irã após a revolução de 1979, assim como saíram do Marrocos após a independência deste, em 1956. Embora eles tenham sempre tido um status de minoria protegida nos países islâmicos, desde a criação de Israel as hostilidades aumentaram e esses países passaram a tratar os judeus como possíveis espiões do Estado judeu. Mas, ainda assim, o Irã engolfa a maior comunidade judaica do Oriente Médio. Não só a maior, como uma das mais antigas, remontando aos tempos dos aquemênidas, muito antes do islamismo se tornar a religião oficial dos persas. Naquele tempo, a religião oficial era o zoroastrismo, e ainda hoje existem praticantes, principalmente em Yazd, onde está o Ateshkade, o templo zoroastrista que guarda a chama eterna.

Essa comunidade está dividida por várias cidades. Teerã, a capital, abriga cerca de doze mil judeus e tem mais de vinte sinagogas, sendo as principais Abrishami e Youssefabad. Em Shiraz encontra-se o segundo maior grupo, oito mil judeus. Isfahan tem cerca de mil e quinhentos e outras cidades abrigam pequenos grupos de cem, as vezes cinqüenta; em Kerman, sudeste do Irã, havia cerca de trinta judeus. A cidade baixa, onde eles vivem, não tem ruas asfaltadas, mas tem uma belíssima sinagoga. Dentro dela há um telefone para chamar os poucos adultos que formam o minian, os dez homens necessários para que se dê início aos serviços religiosos.

Uma das mais agradáveis surpresas da viagem foi a visita ao mausoléu de Esther e Mordechai, os protagonistas de uma das mais belas histórias judaicas, que está inserida na Bíblia, no Livro de Esther. Esse mausoléu se encontra em Hamadã, cidade próxima ao Iraque, e próxima ao sítio arqueológico de Shush, onde supostamente os dois viveram.

No extremo oposto do país, na cidade de Mashad, encontra-se o maior centro de peregrinação do Islã: o túmulo do imã Reza. Os imãs são os profetas do islã. Enquanto os sunitas acreditam em apenas três, os xiitas acreditam em doze, sendo que o último, o imã Zaman, ainda vai chegar (* VER NOTA). O único dos imãs que está enterrado no Irã é o oitavo, Reza, que foi envenenado e morreu em 817. Portanto, esse local é sagrado apenas para uma pequena parte dos muçulmanos, já que a grande maioria é sunita.

O Irã dos contrastes preserva na indumentária feminina a insígnia de seu fundamentalismo. Nada comparado ao vizinho Afeganistão, mas, mesmo assim, os direitos adquiridos nas últimas décadas pelas mulheres ocidentais estão longe de ser alcançados pelas iranianas. Entretanto, muitas delas aprovam o uso obrigatório do xador, o manto preto que as cobre dos pés aos cabelos. Elas acreditam que o pano é uma ferramenta de segurança para a mulher nas ruas.

Os costumes são diferentes e há certas regras que não compreendemos. Parece-nos difícil de entender a necessidade do uso do xador. As mulheres não podem sair de casa sem se cobrir e isso soa como um cerceamento dos direitos da mulher, o que não deixa de ser verdade. Apenas devemos analisar e buscar respostas de acordo com os costumes islâmicos. Os próprios judeus iranianos aprovam o uso do xador para suas mulheres, afirmando que o judaísmo também proíbe as mulheres de mostrar seus cabelos. Às vezes surge entre nós uma sensação de retrocesso na vida dessas pessoas. Mas essa não é a pura expressão da verdade. Nós temos muito a aprender com os iranianos, particularmente com relação à sua hospitalidade.

OLHO - Interessante foi observar um grupo de judeus em luto pela morte de Khomeini.

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Michel Gordon, 26 anos, é doutorando em Física dos Oceanos pela USP e viajou ao Irã para tentar entender como vivem os judeus num país islâmico fundamentalista.

Fonte: ASA


* NOTA: Os imames não são os profetas do Islã. São líderes religiosos. Mesmo para os xiitas eles não são considerados profetas, mas líderes religiosos inspirados por Deus. Os sunitas não consideram que seus imames sejam inspirados por Deus e os vêem como pessoas comuns.