19.5.07

Ser árabe no mundo atual*

Por Mohamed Habib

Sentir-se um cidadão respeitado nos seus direitos e integrado numa sociedade fraterna e solidária, hoje em dia, é extremamente difícil para qualquer um. Imagine, então, caro leitor, o que um árabe poderia sentir no mundo atual?

Ele vem sofrendo durante as últimas décadas, seja dentro ou mesmo fora do seu país de origem. O povo árabe, entre decepção e amargura, vive numa realidade de sociedades oprimidas, pobres e com os índices de desenvolvimento humano mais baixos na sua história. Independentemente das causas, naqueles países não há democracia. Não há respeito aos direitos humanos, muito menos perspectivas para alcançá-lo. O árabe buscou a sua dignidade durante a guerra fria, quando houve o maior movimento para conquistar a sua liberdade e a sua independência, tornando-se livre dos colonizadores europeus. Nasser foi o símbolo do pan-arabismo e da dignidade árabe.

Hoje é diferente, visível é a segregação aguda entre esses povos, e dentro deles, além de muros de separação que levam palestinos, por exemplo, à vida mais humilhante que alguém poderia imaginar. As últimas semanas vêm testemunhando, ainda, a construção de outros muros de separação, agora na cidade de Bagdá, tirando dos iraquianos o direito de ir e vir dentro de seu próprio país, que sofre de uma ocupação militar dos Estados Unidos desde 20 de março de 2003. Os tribunais internacionais repudiam e condenam a construção de tais muros de segregação de civis, porém o império continua surdo e mudo.

Percebe-se hoje, e de uma forma bastante visível, que a colonização continua existindo, embora de formas diferentes. O mundo árabe perdeu a sua autonomia quando perdeu a sua capacidade de elaborar e executar programas para o desenvolvimento dos seus povos, que consomem produtos e serviços, na sua maioria, produzidos por outros. Vender petróleo como matéria-prima ou receber turistas para mostrar glórias de passados remotos não garante a soberania dos povos. Além de não aproveitarem cérebros já existentes, induziram pensadores e intelectuais a deixar seus países de origem para poder atuar com mais liberdade em vários cantos do mapa mundi.

A dominação política e econômica exercida sobre o mundo árabe pelos países que detêm o conhecimento científico e tecnológico já extraiu quase tudo que significa de ético nas relações dos países centrais, liderados pelos Estados Unidos, com o mundo árabe. A interferência, a pressão política e a violência exercidas pela potência resultaram, entre várias conseqüências catastróficas, na deterioração da qualidade de vida desses povos, na destruição do patrimônio histórico da humanidade e na total desesperança do árabe em relação ao amanhã.

E aquelas comunidades árabes que vivem fora do Oriente Médio, e são identificáveis pela fisionomia, ou mesmo pelo seu rótulo de identificação, como elas vivem o seu cotidiano?

Além da tristeza e da amargura lá sentida, no Ocidente sofrem da solidão étnica, de campanhas de difamação lideradas pela mídia conservadora e pela indústria cinematográfica norte-americana, além de manifestações preconceituosas de organizações e de instituições aliadas às políticas imperialistas do atual governo dos Estados Unidos.

Por sorte da comunidade brasileira de origem árabe, a pluralidade étnica cultural deste país abençoado vem aumentando cada vez mais a sua solidariedade com o mundo árabe e com os seus descendentes brasileiros. O grande encontro dos chefes dos Estados árabes no Brasil e a visita do Presidente Lula à quase a totalidade daqueles países são indicadores bastante fortes desta harmonia.

Cabe, aos árabes do Oriente Médio, assumir seu papel para a construção da sua cidadania, qualificar seus filhos, gerar ciências e tecnologias, conquistar a liberdade dos seus povos e construir regimes democráticos respeitadores dos direitos humanos.

E aqueles descendentes que hoje pertencem a outras nações precisam honrar a sua origem, contribuindo cada vez mais, nos seus postos, para merecer a confiança a eles dada pelas suas novas pátrias. Ainda, os nossos filhos, principalmente no Ocidente, devem informar-se corretamente sobre a história do Oriente Médio e sobre o interesse dos países dominantes naquela região. Aí, sim, eles poderão participar efetivamente do debate e do diálogo para esclarecer para a sociedade mundial o porquê da injustiça que o árabe sofre no mundo atual.


Mohamed Habib, engenheiro agrônomo e doutor pela Universidade de Alexandria, Egito, e pela UNICAMP. Ecologista, é especialista em biologia vegetal e autor de livros e artigos. É professor titular de Ecologia e pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários. Nasceu em Port Said, é egípcio de nascimento. Vive há 31 anos no Brasil.


Fonte: ICARABE