Querido
Caetano Veloso,
Escrevo
agora porque você teve um impacto profundo em minha vida, porque ouvi e abracei
sua música - que toca minha alma da maneira mais profunda - por mais anos do
que posso me lembrar, porque você foi um batalhador pela justiça nos tempos
mais duros, porque sua música me inspira, me consola, me desafia e tem me
ajudado em tempos de grande dor e perda.
Escrevo
agora na esperança de que repensará sua decisão de se apresentar em Israel
nesse momento e que ouvirá o chamado dos palestinos, acompanhado de milhares de
outros em todo mundo, por dignidade e justiça.
Você
escreveu que se apresentará em Israel e verá por si mesmo o que está
acontecendo lá. Mas, como outros têm lhe pedido, também peço que primeiro se
engaje nesse conhecimento e, então, uma vez que sinta que sabe o suficiente,
tome uma decisão informada. Ao tocar em Israel agora, está, como você mesmo
admitiu, tomando uma decisão sem ter a informação que precisa para saber se,
por meio de suas ações, está apoiando e sancionando injustiça.
Você
também disse que tocou nos EUA durante a era Bush - mas essa não é uma
comparação justa. Embora naqueles anos estivessem em andamento as ações
terríveis do governo Bush, não havia um chamado organizado vindo da sociedade
civil, como há da sociedade civil palestina, nos pedindo para que aqueles de
nós com uma consciência apoiemos o movimento BDS (Boycott, Divestment, and
Sanctions - Boicote, Desinvestimento e Sanções, em tradução livre) até que
Israel cumpra com princípios básicos de direitos humanos e lei internacional. A
analogia com o boicote ao apartheid sul-africano é mais adequada.
Sou uma judia de 59 anos cuja jornada relacionada a Israel e à
Palestina tem sido muito longa, repleta de muito exame de consciência.
Tornei-me conectada a Israel para apoiar o que entendia ser o movimento de
libertação do povo judeu - não reconhecendo na época que libertação nunca é
libertação quando é às custas de outro povo, quando resulta no deslocamento,
desalojamento e negação do direito a autodeterminação de outro povo. Sempre fui
crítica do governo israelense e me opus a ocupação israelense de 1967.
Entretanto, apesar de ampla evidência e documentação, nada sabia sobre a Nakba,
a catástrofe de 1948 em que mais de 700.000 palestinos foram expulsos de suas
casas e terras como resultado do estabelecimento de Israel. Embora o trabalho
de minha vida esteja conectado à importância de contar histórias, não deixei
entrar a história, a realidade da
Nakba até que, na verdade, não
conseguisse mais dormir à noite.
E como
você bem sabe, a injustiça não terminou em 1948. A violência contra o povo
palestino e a destruição continuada de suas casas e roubo de suas terras só se
intensificaram desde aquela época. Não quero recitar a lista de políticas
antidemocráticas, de brutalidades diárias, de desigualdade estrutural e
sistêmica que caracteriza o tratamento do povo palestino pelo governo
israelense em Israel e nos territórios ocupados. Você pode ir a sites
incontáveis e passar um tempo na Palestina para facilmente tomar conhecimento
dos fatos. E, embora concorde com sua crítica de Benjamin Netanyahu, a verdade
é que essas condições injustas floresceram livremente sob todo partido
israelense no poder - desde o início de Israel.
Você
escreveu que os israelenses que assistirão a sua apresentação concordarão com
sua crítica da sociedade israelense. Não estou certa de quem são esses
israelenses. Os israelenses que conheço que apoiam a justiça estão aderindo ao
chamado do BDS e não estarão em sua apresentação, como resultado de
posicionamento ético e baseado em princípios. O BDS é um chamado para que
Israel seja responsabilizado a observar os valores mais fundamentais de
decência e justiça.
A
realidade é que sua apresentação em Israel só alimentará as forças
antidemocráticas. Você não é simplesmente um cantor famoso mundialmente. É
também um batalhador pela justiça famoso mundialmente. Sua presença em Israel
só terá o efeito de promover políticas de longa data que, sem dúvida, você
detesta.
Do fundo
do meu coração, espero que decidirá não se apresentar em Israel nesse momento
na história. Estou confiante de que não se arrependerá dessa decisão.
Atenciosamente,
Donna Nevel
Fonte: The Huffington Post